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sábado, 26 de junho de 2010

Schopenhauer e a Moral...

Depois desta um tanto rápida e árida investigação sobre alguns princípios filosóficos da Teoria do Conhecimento em Descartes, Bacon, Hume e Kant, vamos mudar nosso registro filosófico para o discurso sobre o comportamento humano, a Ética, que se localiza no âmbito da Moral. Assim sendo, nada melhor do que falarmos, muito de passagem, de um dos mais influentes filósofos do século XIX, cuja obra marcou muitos outros pensadores posteriores a ele, em diversas outras áreas do saber. Nos referimos a Arthur Schopenhauer (1788- 1860), que pertenceu a uma importante família holandesa, mas que criou uma obra de alcance mundial.

De todas as suas obras, a de maior peso histórico e filosófico é, certamente, “O Mundo como Vontade e Representação”. Deste imenso tratado que versa sobre o conhecimento, a metafísica, a psicologia e a moral, retiraremos apenas o sumo daquilo que nos interessa. Para entender como Schopenhauer consegue imaginar um mundo que é, por um lado, Vontade e, por outro, Representação, é necessário lembrarmos a separação das duas possíveis realidades kantianas: a coisa-em-si e o fenômeno. Desta feita podemos colocar, par a par, os dois conceitos kantianos aos dois conceitos schopenhaurianos obtendo o seguinte paralelo: coisa-em-si é Vontade; fenômeno é Representação. Da mesma forma como não se pode ter acesso direto à coisa-em-si, também não se pode ter acesso direto à Vontade que, em Schopenhauer, significa a essência última de tudo que nos cerca e de tudo o que nos move. Já o fenômeno, por ser aquilo que se apresenta à Sensibilidade e ao Entendimento, é uma maneira indireta de conhecermos e de percebermos o mundo, é pois uma Representação dele. Assim como Kant, Schopenhauer divide o mundo nessas duas possibilidades, uma perceptível e outra essencial; porém as semelhanças entre os dois terminam aí. Ao contrário de Kant, Schopenhauer vislumbra a possibilidade de um conhecimento mais profundo que aquele que resulta da mera união entre Sensibilidade, Entendimento e Razão Pura.

É importante desde já não confundirmos o conceito de “Vontade”, que, para Schopenhauer, é a causa primeira de todas as representações, com a sensação do “desejo” que, segundo este filósofo, é uma representação particular da Vontade. Assim, ter o desejo de tomar um sorvete, por exemplo, é uma das manifestações da Vontade no espírito humano. A Vontade origina todo um mundo de representações ganhando a forma daquilo que vemos como a cadeira, a bicicleta, o cão, enfim, tudo o que nos rodeia. Deste modo, não podemos confundir o conceito filosófico “Vontade” com a idéia comum que temos da palavra “vontade”, esta última significando um desejo qualquer.

Para Schopenhauer, a Vontade vem antes do Sujeito, é à priori portanto. Ela pode assumir infinitas formas diferentes. Estas infinitas formas diferentes são as representações particulares do mundo, e são absolutamente à posteriori — em outras palavras, elas são posteriores ao sujeito que as percebe. Essas representações são tudo aquilo que podemos conhecer enquanto fenômeno, por exemplo, um cão, uma bicicleta, uma casa, uma pessoa, um sentimento, um pensamento etc. No entanto, todas estas diferentes representações (um cão, uma bicicleta, uma casa, uma pessoa, um sentimento etc.) são, essencialmente, a mesma coisa, a saber: Vontade em estado puro.

A Vontade em estado puro é Necessária e Universal, na medida em que se encaixa como algo à priori. Os Fenômenos ou as Representações são acidentais, contingenciais e se limitam àquilo que podemos observar deles. O próprio ser humano aparece destas duas maneiras, participando destas duas possibilidades teóricas. O nosso corpo sofre das mesmas limitações temporais e espaciais que o restante dos corpos que existem no mundo. Logo, podemos encará-lo como mais uma Representação entre tantas outras. No entanto, também possuímos uma intuição direta de “nós mesmos” por meio de nossa consciência, que se percebe existindo sem a necessidade de qualquer recurso perceptual como a audição, a visão, o olfato, o paladar ou o tato. Faz sentido, então, dizer que nos percebemos de maneira mediatizada por meio dos sentidos (como um objeto qualquer, uma Representação qualquer) e, neste caso, somos completamente à posteriori. Mas que também nos conhecemos diretamente, imediatamente, por meio da nossa consciência, que “observa” a si mesma na ação de se conscientizar sobre tudo e sobre si mesma.

Na medida em que ocorre a autoconsciência da Vontade materializada numa Representação, em especial a Representação humana, ela percebe que a liberdade da ação não é possível para as Representações inconscientes, como é o caso dos objetos inanimados, e, supõe-se, das outras espécies de animais. Somente no agir humano, portanto, a Vontade pode se ver livre das necessidades do mundo fenomênico. O trabalho que nos cabe agora é tentar descobrir quais ações seriam estas, ou seja, quais ações conduzem à liberdade da Vontade e quais ações conduzem necessariamente à necessidade.

Schopenhauer associa, como já vimos, a Vontade em estado puro (à priori) à ausência do condicionamento do espaço e do tempo. Em outras palavras, a Vontade não se encontra nem no espaço nem no tempo, por este motivo não podemos criar qualquer figuração intelectual do que viria ser a Vontade neste estado puro. Por sua vez, ao se materializar e se tornar uma Representação qualquer, a Vontade se condiciona às formas temporais e espaciais, neste sentido já podemos saber se se trata de uma cadeira, de uma mesa etc. Em estado puro, a Vontade é livre, incondicionada; como Representação, ela se vê presa aos limites impostos pelo espaço e pelo tempo, é condicionada portanto. No ser humano, ela é livre, como quando na percepção imediata da consciência-de-si, mas é também prisioneira dos desígnios espaço-temporais que se evidenciam no corpo que deseja e anseia.

Por estas vias percebemos que a conduta humana que conduz à liberdade será, necessariamente, aquela que desconsidere a Representação (o corpo e suas vicissitudes) enquanto coloca em supremacia a consciência-de-si, que é como um canal de comunicação com a Vontade que está para além das necessidades físicas do mundo. Deste modo, quando desejamos um sorvete e lutamos por conseguir um, estamos buscando uma satisfação provisória para um desejo que se manifesta no corpo e que se afigura em nosso espírito como uma Representação. Quando o sorvete terminar, e passado algum tempo, buscaremos vias para obter um outro, e assim sucessivamente, numa espécie de cadeia de necessidades sem fim.

Metaforicamente falando, enquanto permanecermos numa eterna busca por novos sorvetes, seremos prisioneiros de uma necessidade que nunca encontra uma satisfação permanente; não somos livres, portanto estamos agindo erroneamente. Por outro lado, se negamos as ações que tentam buscar satisfações provisórias no mundo — como tomar sorvete, por exemplo —, então estamos cientes de nossa dupla condição de Vontade e Representação. Só assim se pode optar por vias de satisfação mais permanentes que se resumem, todas elas, na negação de todos os desejos e de todas as ansiedades mundanas. Ao negarmos a nossa condição de Representação, estamos indiretamente afirmando nossa condição de Vontade em estado puro e, ato contínuo, nos tornando paulatina-mente mais livres. Se estamos nos tornando mais livres, então estamos agindo corretamente.

As Duas Realidades Kantianas...

Até agora pudemos perceber que Kant se aventura em considerações acerca do conhecimento com o fim de traçar precisamente os seus limites; ou seja, separar aquilo que é do alcance da Razão daquilo que não é do seu alcance.

Toda esta investigação filosófica, como sabemos, surgiu na esteira da crítica de Hume sobre a metafísica. Logo, o objetivo de Kant é mostrar se a metafísica é ou não um conhecimento válido como é, por exemplo, o conhecimento científico cujas afirmações, na forma dos juízos sintéticos ou analíticos, podem ser verificadas na realidade ou derivadas de regras gerais. Todavia a Lógica, a Matemática e a Geometria, com suas afirmações que aparecem exclusivamente na forma de juízos analíticos, não trazem nenhuma informação nova, sendo suas verdades óbvias e/ou irrefutáveis.

Mas e o conhecimento Metafísico? Aquele que afirma a existência dos conceitos em si mesmos? Da causalidade em si mesma? Dos objetos em si mesmos? Enfim, de um mundo em si mesmo independente do sujeito? Este mundo metafísico ficará em suspenso na medida em que, segundo Kant, não é possível construir os mesmos tipos de juízos sintéticos acerca dele, assim como é possível fazer com relação à ciência. No entanto, estas conjecturas nos levariam muito longe do nosso objetivo. Neste momento veremos como o mundo se separa em duas realidade possíveis para Kant.

A sensibilidade possibilita as percepções. Estas se apresentam ao entendimento que cria afirmações gerais sobre elas na forma dos juízos, que podem ser à priori ou à posteriori, que podem ser analíticos ou sintéticos. Esta generalização só existe graças à articulação da Razão Pura. O mundo resultante deste processo, o da percepção seguido da abstração e da afirmação, é chamado, por Kant, de Mundo fenomênico, ou simplesmente de Fenômeno. A concepção de Fenômeno envolve, na crítica kantiana, tudo aquilo que se apresenta à percepção e que é condicionado pelas formas puras, à priori, da sensibilidade: o Espaço e o Tempo.

Portanto o Fenômeno não pode ser a cadeira em si mesma, ou a mesa em si mesma, ou o professor em si mesmo etc, mas aquilo que se apresenta a nós na forma de cadeira, de mesa, de professor etc. O Fenômeno não é nenhum objeto tomado em si mesmo e independente do sujeito que o observa. Mas, dependente da observação do sujeito, o Fenômeno só existe à posteriori. Ele só existe na medida em que existe, antes dele, um Sujeito em geral ou um sujeito em particular, que cria a possibilidade da existência deste objeto quando o percebe. O Mundo Fenomênico é à posteriori, isto é, depende da existência anterior de um sujeito que o percebe, que o encaixa em conceitos do entendimento e que cria juízos acerca dele. Esta é a primeira realidade kantiana, uma realidade à posteriori.

Quando falamos em fenômeno kantiano, ou mundo fenomênico kantiano, estamos nos referindo fundamentalmente às percepções. Mas poderíamos muito bem nos perguntar: “O que, de fato, percebemos?”. A resposta de Kant é dada categoricamente em favor do fenômeno. “Percebemos tão somente os fenômenos.”. Porém, se falamos em percepções diversas, faz sentido imaginarmos que existam objetos, em si mesmos (independentes do sujeito), que causam os fenômenos. São necessários, portanto, dois elementos para a efetivação de uma percepção: um “sujeito” e um “objeto”. Na verdade, toda percepção é uma relação entre um sujeito que observa e um objeto que é observado. Se tenho a percepção de uma cadeira, então eu digo que existe uma relação (OBSERVAÇÃO) entre um sujeito (EU) e um objeto (CADEIRA) - desta relação sai o fenômeno que é expresso pelo juízo sintético “Julgo ver uma cadeira”.

Mas o que seria esse “objeto” que só percebo como fenômeno? Supostamente ele deve existir em si mesmo já que, sem ele, a relação de observação ficaria incompleta. No entanto ele não está diretamente ao alcance do sujeito (sem passar pela relação da observação), sem ser antes um fenômeno. Este objeto em si mesmo (objeto de conhecimento da Metafísica) e que Kant chama de coisa em si, só é mencionado como condição de possibilidade lógica do fenômeno e não como algo que podemos saber, ver ou conhecer de qualquer forma. Em outras palavras, a Razão somente supõe a existência dos objetos em si mesmos, mas não pode provar esta existência já que a coisa-em-si não chega diretamente nem à sensibilidade nem ao entendimento.

É necessário, portanto, que pensemos em algo que seja a origem primeira das sensações diversas, como a sensação de uma flor, de uma cor, de um som e assim por diante, mas não podemos provar que este algo exista. Não podemos saber o que seja, conhecer uma flor, uma cor, um som tomado-os em si mesmos, isto é, independentemente da observação que recai sobre eles. Quando sentimos um determinado cheiro, quando observamos um determinado objeto ou quando ouvimos um determinado som, estamos realizando todo aquele processo de conhecer descrito por Kant. Estamos trabalhando com os fenômenos, com as representações do mundo, e não com os objetos em si mesmos, aos quais não podemos ter acesso senão por meio destas representações que criamos ou obtemos.

Na medida em que a coisa-em-si é aquilo que é em si mesmo, independente do sujeito, e na medida em que a Metafísica é a ciência do em si, das coisas que não se apresentam à sensibilidade, pois se o fizessem seriam fenômenos e não coisas-em-si, então é justo afirmar que a coisa-em-si é o objeto de estudo da Metafísica. A questão que iniciou toda a investigação kantiana acerca do conhecimento era aquela que se debruçava sobre a possibilidade de um conhecimento metafísico. Portanto a Metafísica não se refere a nenhum tipo de conhecimento que se ligue aos conceitos ou ao Entendimento; nem tampouco pode ser um conhecimento que se ligue às formas espaciais ou temporais ou à Sensibilidade, já que tanto o Entendimento como a Sensibilidade ligam-se ao domínio do fenômeno.

Esta é a segunda realidade kantiana, uma realidade inatingível ao sujeito, uma realidade que aparece logicamente antes dele e que só pode ser deduzida como mera possibilidade. Esta é a realidade à priori da Metafísica. Logo, a conclusão de Kant é: se a Metafísica é algum tipo de conhecimento, provavelmente não é um conhecimento muito útil ou, de qualquer forma, atingível ou representável.

Kant e o Entendimento...

Após receber as diversas percepções que o sujeito obtém, graças às condições à priori, ou puras, da sensibilidade em geral (o Espaço e o Tempo), estas percepções são enviadas para a estrutura do Entendimento. Assim como a sensibilidade possui essas duas condições à priori, já estudadas, também o entendimento irá possuir uma estrutura interna (uma sub-estrutura), que igualmente existe à priori no sujeito comum, encarregada de receber as diversas percepções sensíveis e organizá-las segundo certos critérios. Enquanto a Sensibilidade em geral fornece as condições para as percepções, o Entendimento em geral as classifica segundo suas qualidades, universalidade, particularidades, causalidades, finalidades etc.

Com a organização propiciada pelo Entendimento, o sujeito se vê em condições de criar abstrações acerca das diversas observações particulares propiciadas pela percepção. Estas abstrações são os chamados conceitos, ou Idéias, que não se referem a nenhum objeto particular. É graças a essa capacidade de criar generalizações, de poder trabalhar com conceitos puros, que o homem se vê livre das condições ambientais particulares que o cercam. Ele consegue falar do Tempo em geral e não apenas da hora que passou, ele consegue falar do Espaço em geral e não apenas do lugar que seu corpo ocupa num dado momento. É graças ao conceito que o homem articula intelectualmente as percepções, de modo a criar relações entre elas, como relações de causalidade, de quantidade, de qualidade.

Também neste caso percebemos que os conceitos não estão no mundo, mas numa capacidade intelectual do sujeito, nas estruturas internas do seu Entendimento. A estrutura do Entendimento, assim como a da Sensibilidade, precisa do ‘Sujeito em geral’ para existir, no entanto ela existe antes (de maneira à priori) no ‘sujeito particular’. É graças à capacidade do Entendimento, por exemplo, que podemos pensar no Átomo, ainda que nunca tenhamos tido a oportunidade de ver um. Também é graças ao Entendimento que somos capazes de imaginar as grandes distâncias que separam as estrelas no céu, ainda que à primeira vista elas pareçam estar separadas entre si por apenas alguns poucos centímetros.

A articulação entre a estrutura da Sensibilidade e a do Entendimento é fornecida pela Razão Pura; juntas, as três estruturas produzem um conhecimento geral ou particular. Separadas, perdem todo o sentido funcional e se tornam absolutamente inoperantes. O que é importante de ser ressaltado na filosofia kantiana é que todo o conhecimento é, na verdade, o resultado da capacidade de julgar. Para realizarmos julgamentos sobre as diversas situações do mundo, é necessária a criação e a articulação de juízos. Por sua vez, os juízos são afirmações declarativas a respeito de um dado evento, fenômeno ou situação. Por exemplo: “Julgo que o resultado da soma de 1 e 1 seja 2”; “Julgo que eu esteja doente”; “Julgo que o céu é azul”; “Julgo que aquele homem seja o assassino”; “Julgo que eles sejam amantes e que se encontram na calada da noite para que ninguém os perceba e, assim, permaneçam no protetor silêncio do anonimato”; e assim por diante.

Neste sentido, vale a pena lembrar a distinção entre à priori e à posteriori que, no âmbito do discurso, aparecem nas formas respectivas: juízo analítico e juízo sintético. Os juízos analíticos são proposições que não necessitam, por assim dizer, de qualquer comprovação empírica. Portanto, todos os juízos analíticos são à priori, ou seja, são a expressão de uma verdade óbvia ou irrefutável que se mostra pela linguagem. Por exemplo: “Aquela mulher é do sexo feminino” ou “O resultado da soma dos ângulos internos de qualquer tri-ângulo é sempre 180º”. Como se vê, não é necessário, se tomarmos apenas o que é dito nas afirmações acima, realizar uma experiência qualquer para nos certificarmos das respectivas verdades internas destas afirmações. Por sua vez, os juízos sintéticos são naturalmente à posteriori, na medida em que são expressões cuja verdade necessitam de uma confirmação por meio da experiência. Nos juízos sintéticos, as verdades das declarações não decorrem naturalmente como nos juízos analíticos.

Assim, quando nos referimos às verdades universais e necessárias da matemática, da geometria, da lógica, utilizamos os juízos analíticos que, por sua qualidade mesma (universalidade e necessidade), se dão a este fim. No entanto, quando nos referimos aos eventos corriqueiros do mundo, às experiências e às sensações particulares, invariavelmente fazemos uso de juízos sintéticos que, por serem à posteriori, apresentam uma situação cuja verdade pressupõe a verificação. Este é o campo das ciências naturais como a Física, a Biologia, a Química etc, cujas afirmações aparecem na forma de juízos sintéticos.

O Espaço e o Tempo...

Vimos como o filósofo de Königsberg prepara o terreno para a sua teoria acerca do conhecimento. Ele inicia apontando para o problema do dogmatismo metafísico na filosofia, que só pôde perceber graças à ajuda do filósofo David Hume; em seguida, ele inverte o jogo filosófico dizendo que devemos buscar as condições puras de possibilidade para todo o conhecimento válido - e não tentar conhecer os objetos em si mesmos, já que isto seria assumir um certo tipo de dogmatismo. A última coisa que vimos é que foi no Sujeito do Conhecimento que Kant encontra estas tais condições puras, mais precisamente no Sujeito Transcendental, que, somado ao Sujeito empírico, propicia o fenômeno do conhecimento. Agora vamos ver como se dão as primeiras condições à priori, puras, para o conhecimento.

Kant divide o Sujeito Transcendental em três estruturas que se superpõem uma à outra, como se fossem as camadas de um bolo: a estrutura da sensibilidade, do entendimento e da razão pura. A estrutura da sensibilidade nos permite conhecer por meio das percepções sensíveis; a estrutura do entendimento nos permite conhecer por meio das categorias gerais (conceitos ou idéias), nas quais encaixamos o que apreendemos do mundo; a estrutura da razão pura comanda as duas primeiras estruturas, criando uma relação entre elas. Por enquanto, vamos estudar somente a primeira estrutura: a da Sensibilidade em geral (pura ou Transcendental).

Quando percebemos um objeto, como uma flor, um quadro, uma pessoa, um animal, um carro, o que cada um destes objetos tem em comum? Esta é a pergunta que Kant se propõe para descobrir o que é essencial a toda percepção e o que não é. Será essencial, portanto, aquilo que for necessário a qualquer percepção; e não será essencial aquilo que variar de objeto para objeto, aquilo que for particular. Concluímos com ele que cores, tamanhos, formas, lugares, cheiros, densidades, espessuras, peso, massa etc não são essenciais para uma percepção pura, pois estas qualidades variam de objeto para objeto: posso ver uma rosa branca da mesma maneira como posso perceber uma rosa vermelha. A rosa branca pode ter menos pétalas que a vermelha. Ou, ainda, a rosa vermelha pode estar ainda na forma de botão enquanto a branca já estiver murchando. A rosa branca pode estar num vaso e a vermelha na roseira. Apesar de todas estas diferenças particulares, o que é comum em todas estas situações? O que está na essência da percepção de qualquer rosa, ou de qualquer objeto, em qualquer estado?

A resposta é a seguinte: o que há de comum em qualquer situação de percepção, de qualquer objeto, em qualquer estado possível é, justamente, o fato de existir uma condição à priori da sensibilidade sem a qual não se poderia perceber os objetos sob suas formas particulares diversas: esta condição é o que chamamos de Espaço.

Só podemos perceber os objetos na medida em que eles se apresentam extensos, isto é, “ocupando um lugar no espaço”. No entanto, não podemos realizar experiências com o espaço em si mesmo. Só podemos realizar experiências com os corpos que se inserem na condição de serem espaciais, como as rosas, por exemplo. Não podemos ver o espaço, só podemos ver os objetos que nele se superpõem - e aquilo que chamamos de “espaço vazio” não representa nada no mundo. O espaço em si mesmo não é um objeto – não está no mundo – , é tão somente uma condição abstrata e, por isto, à priori da estrutura da sensibilidade que se encontra no Sujeito Transcendental.

Se perguntarmos então: “Onde está o espaço?” A resposta deve ser: “Em lugar algum”. Já que o espaço não é um objeto, mas somente uma condição em que o percebermos segundo suas formas particulares, então ele não pode ser encontrado no mundo. Por exemplo, para se afirmar que o espaço esteja em algum lugar fora de nós, seria necessário supor um outro “espaço” que o contivesse, mas aí ficaríamos mais uma vez com o problema de onde encaixar este novo “espaço”. Desse modo, o Espaço não está nem fora de nós nem nos objetos. Mas se perguntarmos “o espaço existe?”, a resposta de Kant será que o espaço não está em nenhum lugar, mas existe como uma condição da sensibilidade em geral. Ele é à priori, portanto é Universal e Necessário.

Mas ainda há mais um fator a ser considerado. Não percebemos os objetos somente por estes possuírem uma extensão. Se assim fosse, tudo se encontraria imóvel no mundo. Observaríamos os objetos congelados, como se fossem fotografias. No entanto os objetos possuem movimentos diversos: se deslocam de um lugar para o outro, se modificam de diversas maneiras. Portanto a sensibilidade deve ter mais uma condição à priori para a percepção deste movimento. Esta segunda condição é o Tempo e podemos dizer que sem ele não seríamos capazes de perceber qualquer movimento, pois o movimento nada mais é que uma sucessão de configurações espaciais no tempo.

Assim, um carro, que se move a 100 km/h, está se deslocando espacial e temporalmente e isto só pode ser percebido se conseguimos notar as sucessões temporais de antes e depois em relação ao espaço que ele ocupou, ao espaço que ele ocupa e ao espaço que ele ocupará. Em outras palavras, o tempo e o espaço se relacionam na forma do passado, do presente e do futuro. O tempo não está fora de nós, pois, se estivesse, também deveria ser um “objeto” e possuir uma modificação a partir de um outro “tempo”. Mas não é isso o que acontece, não vemos o tempo envelhecer nem mudar de lugar. Só percebemos a sua passagem por meio dos objetos que surgem, que mudam de lugar, que envelhecem ou que deixam de existir.

Desta maneira, tanto o Tempo como o Espaço se combinam para realizar a síntese da percepção sensível do mundo. O espaço e o tempo não fazem parte do mundo, mas existem tão somente como formas puras da percepção sensível do sujeito. Neste sentido, tanto o espaço como o tempo dependem da existência anterior do sujeito em geral (transcendental), mas existem de maneira à priori para o sujeito particular ou empírico. Para Kant, o erro do dogmatismo metafísico que o precedeu era justamente o de tentar atribuir estas qualidades aos objetos e não ao sujeito que os observava. Daí a inversão no jogo filosófico: do objeto para o sujeito. Esta atribuição das qualidades de tempo e espaço aos objetos levou os filósofos de antes de Kant ao erro de imaginar uma essência metafísica que sustentava as existências materiais destes objetos. Quando, na verdade, estes filósofos estavam confundindo as condições à priori da sensibilidade (o espaço e o tempo) com uma essência que não existe em nenhum mundo supra terreno.

sábado, 12 de junho de 2010

O Despertar de Kant...

Imanuel Kant foi um homem de compleição franzina que, segundo contam as histórias acerca de sua vida, jamais deixou a pequena cidade de Königsberg, na Alemanha, onde viveu de 1724 a 1804. Contam, também, algumas lendas sobre a exagerada disciplina e pontualidade que Kant mantinham com relação a alguns de seus hábitos diários. Uma dessas lendas afirma que os homens encarregados dos horários dos trens ajustavam os seus relógios de acordo com o passeio matinal que, pontualmente, o filósofo alemão fazia todos os dias em seu jardim.

Seu trabalho é marcado por suas três principais obras, que se reúnem sob o título geral de Criticismo Transcendental: são elas a Crítica da Razão Pura (1781- 7), que pretende demarcar as fronteiras daquilo que se pode conhecer; a Crítica da Razão Prática (1788), que discorre sobre o conhecimento prático humano ou sobre o dever moral; e, finalmente, a Crítica do Juízo (1791), na qual Kant se volta para o destino último do universo, das coisas e da experiência humana. Diferentemente daquele significado comum de “Denegrir”, “Depreciar”, “Apontar para os defeitos” etc, a Crítica no sentido filosófico se refere a uma indagação rigorosa sobre os fundamentos daquilo que se pode (ou se quer) conhecer e/ou daquilo que se pode (ou se quer) fazer. Notamos, então, que Kant empenhou toda a sua vida na inquirição sobre a condição do conhecimento, seus limites e suas possibilidades.

É Kant quem nos relata que foi “despertado de seu sono dogmático” quando se deu conta dos efeitos devastadores das afirmações contidas na obra de David Hume, principalmente aquelas que se opunham a uma existência, em si mesma, das coisas segundo um ponto de vista metafísico: como a existência em si mesma de Deus, a existência em si mesma do Sujeito, a existência em si mesma de Objeto, da matéria, da forma, do espaço, dos fenômenos em geral e, também, a existência em si mesma das relações causais.

O que Kant quer dizer com “despertar do sono dogmático” é que, antes de tomar conhecimento do pensamento de Hume, ele também acreditava em afirmações sobre a existência desta lista de coisas sem que, necessariamente, esta crença estivesse baseada em uma Crítica no sentido acima exposto. Ele toma para si, portanto, o trabalho de traçar esta Crítica de modo a se poder verificar com precisão os limites daquilo que é possível conhecer e afirmar. O peso do trabalho kantiano está em separar do conhecimento metafísico o que pode ser conhecido do que não pode ser conhecido nas mesmas condições. Em outras palavras, a força e a importância de sua obra é a de separar aquilo que é ciência (no sentido amplo da palavra) daquilo que é mero dogmatismo. Este trabalho foi tão relevante para a Filosofia que a sua História se divide em “antes de Kant e depois dele”.

O grosso do que precisamos saber do pensamento kantiano acerca do conhecimento está na Crítica da Razão Pura, em que ele tenta averiguar as condições necessárias e suficientes para o conhecimento puro, ou seja, para aquele conhecimento que não requer qualquer experiência que o verifique. Notamos que, antes que Kant expusesse suas idéias, todos acreditavam que, para se conhecer, era necessário iniciar as investigações partindo-se “daquilo que se queira conhecer”, isto é, acreditava-se que era necessário investigar os “objetos” tomados em si mesmos, independente do sujeito. Porém, ao fazê-lo automaticamente se postulava uma existência transcendental para estes objetos, assim como o fez Platão por exemplo. Era exatamente esta postura que Kant condenava como dogmatismo filosófico: uma crença sem fundamentos numa existência essencial dos objetos como meras idéias que dão suporte ao mundo sensível em geral.

Kant irá inverter o jogo filosófico do conhecimento dizendo que toda investigação sobre o quê se pode (ou se quer) conhecer deve partir daquilo que fornece as condições necessárias e suficientes para o conhecimento em primeiro lugar. Para ele, estas condições se encontram, justamente, no Sujeito do
conhecimento e é a partir dele que sua investigação inicia. Ao invés de ir buscar o conhecimento diretamente nas coisas do mundo (nos objetos), como era prática comum antes dele, Kant irá inverter a investigação filosófica e apontar a mira de sua filosofia para o Sujeito conhecedor. Assim, ele inicia partindo do pressuposto de um Sujeito em geral (ou Transcendental) no qual as características essenciais de qualquer sujeito particular (eu, você, o professor, nosso vizinho, ou qualquer um) poderiam ser encontradas. Essas características essenciais poderiam ser todas resumidas pelo nome de Razão.

O início da filosofia kantiana, portanto, se dá quando ele considera como inata (de nascença) a todo ser humano uma faculdade pura do entendimento. Este entendimento é “puro” porque Kant quer considerar apenas a sua estrutura formal – a mera possibilidade de conhecer as coisas e não as coisas particulares que se pode conhecer por meio dela. Por ser inata, essa possibilidade de conhecer as coisas vem antes de conhecê-las de fato, portanto a Razão só pode ser uma condição de conhecimento a priori do ser humano. No entanto, aquilo que se conhece de maneira particular (os objetos como mesas, cadeiras, pessoas etc), que é o conteúdo que preenche a estrutura do nosso entendimento, e que vem depois dela portanto, é a posteriori, ou seja, só podemos conhecer estes conteúdos diversos por meio de nossa vivência diária no mundo.

Para este filósofo, o entendimento puro e a experiência completam o todo do que chamamos de Sujeito do Conhecimento. Este seria composto pelo Sujeito Transcendental (à priori), que é a pura condição de todo conhecimento; e o Sujeito Empírico (à posteriori), que realiza a ação particular de conhecer por meio das experiências diversas (a vizinha, o açougueiro, o menino etc) - são as pessoas tomadas individualmente. O Sujeito Transcendental fornece as condições de possibilidade para que o Sujeito Empírico, por meio da experiência, possa conhecer os objetos empiricamente. Por sua vez, o Sujeito Empírico fornece o conteúdo, por meio da experiência com os objetos particulares, para que o Sujeito Transcendental possa criar generalizações, conceitos, idéias, teorias, abstrações, planos etc.

Um sem o outro torna impossível o processo do conhecimento. Sem a estrutura formal não há como conhecer os objetos particulares. E sem a experiência com estes objetos a estrutura fica imóvel, sem ter com que trabalhar. O à priori e o à posteriori, unidos, nos fornecem as condições para um conhecimento completo e, parafraseando Kant, “O Entendimento sem a Experiência é cego, a Experiência sem o Entendimento é burra”.

A Crítica de Hume...

Como já pudemos apreciar, Hume mina as bases de todo o conhecimento ao afirmar que, no mundo, existem apenas eventos isolados que são associados em nossas mentes devido ao fato de, muitas vezes, aparecerem juntos em certas circunstâncias. Isto é, trata-se apenas de associações simples e não de uma cadeia causal no sentido forte da lógica. Conclui ele que estas meras associações de idéias, baseadas em eventos que se repetem, não constituem um funda-mento para a postulação de Leis que permitam afirmações do tipo: “Dado o Evento A, então necessariamente ocorrerá o Evento B”, ou ainda “Isto é um Evento do tipo A e não se confunde com o do tipo B.”.

Para entendermos direito o pensa-mento de Hume, é mister que tracemos uma distinção entre duas idéias: a de Contingência e a de Necessidade.

É contingente tudo aquilo que não é Necessário, ou seja, tudo aquilo que depende de uma confirmação observacional para afirmarmos com certeza que existe. Contingente é aquilo sobre o qual não se pode ter certeza no sentido lógico da palavra, no sentido forte. Disto concluímos que um conhecimento é contingente quando dependemos que um evento aconteça para, a partir daí, realizarmos a observação sobre ele e, então, obtermos o dito conhecimento. Em poucas palavras, “contingencial” quer dizer que só podemos provar que ocorre depois de ter ocorrido. Dizemos, então, que o conhecimento que obtemos assim é a posteriori, isto é, posterior-mente à observação do evento.

Necessidade é, como já tivemos a oportunidade de estudar, aquilo que faz com que saibamos que algo ocorre antes de realizarmos qualquer observação sobre ele. Se diz que um conhecimento é Necessário, portanto, somente quando ele é válido independentemente da situação, do tempo ou do sujeito que conhece. Este conhecimento possui uma garantia lógica de existência e dispensa qualquer confirmação por meio de experiências. Neste sentido, dizemos que se trata de um conhecimento à priori. As diferenças entre a priori e a posteriori serão melhor estudadas adiante.

Tomemos um exemplo. Para Hume, o fato de o Sol ter se levantado todas as manhãs, desde o início dos tempos até o dia de hoje, não colabora para a formulação de nenhuma Lei que confirme que este astro se levantará, por exemplo, no dia de amanhã. Em outras palavras, não podemos, logicamente falando, ter certeza de que o Sol se levantará sempre baseando-nos, apenas, no fato de que, em todos os outros dias do passado, isso tenha naturalmente ocorrido. O que Hume quer mostrar é que não há uma relação causal de fato entre os eventos, mas apenas associações que criamos no decorrer de nossas vidas e que generalizamos como supostas Leis.

Não há uma conexão lógica, por exemplo, entre o fato de eu colocar uma panela com água sobre o fogo e o fato de a água começar a ferver. Segundo Hume, por causa de estes dois fatos acontecerem numa certa ordem no tempo (primeiro: coloco a panela com água sobre o fogo; segundo: a água começa a ferver.) com freqüência de 100% não nos permite criar uma Lei que diga: “A água necessariamente ferve quando a colocamos sobre o fogo.”. É um fato da vida que a água ferva ao ser colocada sobre o fogo, assim como é um fato da vida que o Sol se levantará amanhã. Contudo só teremos um conhecimento, no sentido estrito, sobre estes dois eventos no momento em que verificarmos observacionalmente a ocorrência dos mesmos. Assim, a afirmação: “A água ferve ao ser colocada sobre o fogo” é absolutamente contingencial, depende da experiência e, portanto, é um conhecimento à posteriori.

No entanto, observe a seguinte afirmação: “Se penso em um triângulo, então ele deve possuir três lados”. O que é dito com esta frase não requer que desenhemos diversos triângulos para sabermos se, de fato, eles corroboram o meu pensamento. A conclusão desta afirmação decorre necessariamente da definição de triângulo. Chamo de triângulo qualquer polígono que possua três lados, independente do tamanho, cor, tempo ou da pessoa que o desenha. Na verdade, a afirmação da existência do triângulo independe, até mesmo, de que jamais tenha sido feito qualquer desenho que o represente. Poderíamos muito bem nunca ter visto o desenho de um triângulo e, ainda assim, isso em nada afetaria ao conceito de um polígono de três lados.

A maioria das afirmações sobre o mundo, no entanto, são afirmações contingenciais. Dependem da experiência para serem corroboradas. Quando Hume diz que simplesmente não há maneira de termos certeza sobre elas a não ser depois de já terem ocorrido, ele acaba gerando uma imensa crise que ameaça grandemente o conhecimento científico que tem por hábito derivar Leis gerais baseando-se nas observações, assim como propunha o Empirismo. Hume afirma com isto que o conhecimento sobre a identidade das coisas, assim como sobre a decorrência de umas em função das outras (água fervendo em função do calor que a aquece), não passa de hábitos associativos. Não correspondem a um conhecimento de fato, mas somente à força do hábito.

Dizemos que a água irá ferver ao ser colocada sobre o fogo não porque exista a necessidade de que ela ferva, mas somente porque isto sempre aconteceu. Mais do que possa aparentar, isto causou um tremendo desconforto entre filósofos e cientistas que criam na existência invisível de uma conexão entre os eventos no mundo. Hume conseguiu abalar a fé entre aqueles que acreditavam numa real existência nas relações causais (Causa à Efeito; Se o Evento A ocorre, então ocorre o evento B). Todas as previsões científicas que se podiam derivar das experiências, por exemplo, perderiam o valor na medida em que não se poderia mais contar com as relações causais. Deste modo, todo o conhecimento científico, assim como toda a metafísica, poderia muito bem ser descartada como trivialidades.

Na trilha do Conhecimento...

Quando pensamos em conhecimento e em David Hume (1711-1776), imediatamente nos vem à mente a idéia de uma crise geral no conhecimento. Como vimos até agora, o conhecimento possuía duas possibilidades de se realizar no Sujeito. A primeira é a via racionalista, proposta por René Descartes, e que se apoiava numa concepção quase platônica (metafísica): ou seja, o conhecimento poderia ser recolhido e armazenado como se fosse objeto que se localizasse em suspenso, num mundo composto puramente por formas geométricas e leis matemáticas. As idéias, os conceitos, poderiam ser colhidos deste mundo como se estivéssemos a colher as maçãs da Árvore do Conhecimento no centro do Jardim do Éden - para tanto, seria necessário, exclusivamente, o emprego metódico da Razão.

A outra alternativa é a da proposta empirista, cujo representante maior, como já vimos, fora Francis Bacon. Por esta via, todo o processo de conhecer tinha início nas sensações e nas diversas associações que o entendimento pode-ria realizar sobre as experiências do Sujeito no mundo. Contudo ,o empirismo ainda mantém um ideal, qual seja ,de que o conhecimento existe, sem sombra de dúvida, necessária e universalmente, e que é resgatado pelo Sujeito do conhecimento por meio de seu entendimento. Ainda que seja bem mais fácil perceber uma certa postura metafísica no Racionalismo, de certa forma ela existe em ambas as escolas filosóficas.

Segundo Hume, encontramos este ponto de vista metafísico no empirismo na medida em que esta escola concorda com a idéia de uma relação de causa e efeito, que existe no mundo, e que é independentemente do Sujeito do Conhecimento. Este Sujeito apenas as assinala na forma das leis do determinismo. Se o empirista é aquele que acredita que o conhecimento deve iniciar com as observações das sensações e, também, por meio das associações que se pode realizar entre estas sensações por meio da repetição, então ele também acredita que essas repetições representam uma espécie de Lei que determina a maneira como as coisas foram, são e como elas sempre serão.

Por exemplo, se coloco a mão no fogo dez vezes seguidas, se toda vez que eu o faço sinto um calor que me queima a pele, então crio logo a crença de que toda vez, no futuro, que eu colocar a mão no fogo, necessariamente, me queimarei. Esta crença de que a queimadura irá necessariamente acontecer se eu colocar a mão no fogo é tão forte que se torna uma Lei. Algo inteiramente independente de mim. Aparentemente, esta Lei, justamente por ser uma Lei, não se restringe à minha pessoa individualmente. Eu como que amplio a minha crença tornando-a uma Lei da seguinte forma: “Qualquer um que colocar a mão no fogo, e em qualquer época, irá, necessariamente, se queimar.”

Ora, esta afirmação é uma das diversas representantes da capacidade de associar idéias por meio da repetição. O formato desta afirmação é muito comum nas ciências de modo geral, justamente porque este é o método empirista de conhecer e de afirmar coisas sobre o Real. “Conhecer o Real é saber e afirmar Verdades sobre ele”. No entanto, para Hume, da maneira como está colocada a postura empirista apontada acima aparecem inseridos nela justa-mente os ideais metafísicos do racionalismo, qual seja, a busca pela Universalidade e pela Necessidade do conhecimento. Porém, ao invés dessa necessidade e universalidade ocorrem por meio do cálculo matemático e das formas puras da geometria (como no racionalismo), elas serão representadas pela idéia da Cadeia Causal.

A Cadeia Causal é uma concepção filosófica tão velha quanto a própria capacidade humana de conhecer. Segundo esta concepção, existem relações de causa e efeito no mundo. Estas causas e efeitos são eventos que se ligam e se determinam no sentido passado - presente - futuro. Se “A”, então “B” (“A” é a Causa de “B”; ou “B” é o Efeito de “A”. Sempre no sentido A - B). O determinismo aponta para uma direção no tempo, esta direção é o tempo necessário para que as coisas se determinem. Uma vez que um evento tenha ocorrido, ele não poderá jamais voltar a ocorrer e é isto o que dá a consistência ao que chamamos de passado (o tempo dos eventos que não voltam mais a ocorrer). Por sua vez, aquilo que está em processo de realização da consistência é o que chamamos de presente (o tempo da ocorrência atual dos eventos). Por último, ao que ainda não ocorreu atribuímos a qualidade de futuro (o tempo em que certos eventos determinados irão se dar).

O Fogo é a causa da minha queimadura, esta é o efeito do fogo. Se apareço com a mão queimada é porque a coloquei no fogo num momento anterior. Causa e efeito se ligam de maneira tão íntima que se torna quase impossível dissociá-las. Por exemplo, se apareço para trabalhar com a mão queimada, logo alguém vem me perguntar se eu a coloquei em algo quente como o fogo. Esta pessoa está tentando conhecer a Causa que provocou a minha atual situação (este efeito visível de estar com a mão queimada). Esta pessoa sabe, pelas repetições que já presenciou durante toda a vida, que as queimaduras “sempre” aparecem depois de uma exposição a altas temperaturas como as que encontramos nas chamas do fogo.

Hume chama este tipo de ligação causal de uma simples associação, que não tem a força de uma Lei. Aliás, todas as leis são, para ele, frutos de associações diversas e de uma disposição a generalizações metafísicas inatas aos seres humanos. Segundo ele, todos nós possuímos esta tendência metafísica de construir um conhecimento certo sobre uma realidade absolutamente incerta. Como veremos adiante, a crítica de Hume ao conhecimento baseado em considerações metafísicas, assim como ele acredita serem as Leis do determinismo, levarão a uma enorme crise na filosofia ocidental.

O Racionalismo e o Empirismo...

Descartes e Bacon mostram-se como lados opostos da mesma moeda. Por um lado, Descartes aposta no uso exclusivo da Razão na obtenção de um conhecimento Universal e Necessário; por outro, Bacon acredita que as experiências trazidas pelas sensações são imprescindíveis para se iniciar qualquer processo de pensamento. Ainda que suas posições sejam antagônicas, seus objetivos são os mesmos. Ambos estão em busca de um conhecimento válido, ambos apostam na faculdade de raciocínio humano, portanto num espírito superior ao restante dos animais. Tanto Descartes como Bacon acreditam que este conhecimento vá-lido pode ser encontrado por meio da criação de generalizações, de idéias que representam a realidade, de modelos que permitam seu fácil manuseio. Suas diferenças ficam por conta do método de como se atingir este tão almejado conhecimento sobre o mundo.

Mas qual seria a finalidade da obtenção deste conhecimento? Se trataria de uma busca desinteressada pelo conhecimento ou de algo mais? Existiria um objetivo, um fim que iria além do próprio conhecimento? Ao que tudo indica, é isto o que ocorre. O Racionalismo e o Empirismo são as duas raízes filosóficas de onde brotam as ciências tal como as conhecemos hoje. A Física, a Química, a Biologia, a Medicina, a Meteorologia, a Astronomia, a Agronomia etc., são exemplos da culminação do pensamento racionalista unido ao pensamento empirista. Todas estas formas de buscar um conhecimento específico sobre o mundo tomam emprestados os pressupostos dessas filosofias aparentemente opostas, numa união muito produtiva.

Do racionalismo, as ciências tomaram emprestado o gosto pelo raciocínio lógico-matemático, pelas afirmações que se pretendem Universais e Necessárias. Do empirismo recolheram a idéia de que todo o conhecimento deve ser retirado dos exemplos que a natureza nos fornece. Vemos como as ciências nascem de pensamentos, de posturas que são, em última análise, filosóficas. Mas a filosofia também não aparece do nada, ela ocorre devido a situações que são fundamentalmente históricas. Tanto o Racionalismo quanto o Empirismo surgiram praticamente na mesma época. Seria isto por acaso? Provavelmente não. Nesta época, as Monarquias Absolutistas e o Mercantilismo estavam em pleno desenvolvimento. Qualquer filosofia que desse suporte à prática predatória destes Estados colonizadores e às suas políticas comerciais seria bem-vinda.

O Racionalismo afirma a distinção entre o corpo e a alma, o que, filosoficamente, dá apoio aos dogmas cristãos e, conseqüentemente, à Igreja Romana que, nesta época, se punha em empreitadas bélicas e financeiras no Oriente e nas Américas. Além disso, a exaltação da Razão que propõe o racionalismo nos serve com uma filosofia que referenda aquilo que já aparece no Gênesis: de que o Homem é a principal criação divina e que a natureza e o restante dos animais cumprem seu fim na medida em que são explorados pelo Homem. O uso da Razão, portanto, segundo o racionalismo, ocorre quando expropriamos a Natureza. Por esta época, o Renascimento já havia iniciado seu processo de centralização do Homem no centro das discussões divinas. Assim, se há uma forma de aproximar o homem renascentista de Deus, esta seria pelo uso daquilo que é exclusivo do Homem: a Razão, que obtém para si as Verdades Universais e Necessárias. Estas Verdades se colocam no lugar dos Dogmas religiosos e se tornam os novos mandamentos de Deus: “Utiliza a tua Razão de modo a obter as Verdades que procura e o mundo terá o tamanho do teu conhecimento sobre ele”.

Com relação ao empirismo, verificamos que o Homem renascentista é um Homem experimentador por excelência. Ele quer expandir seus limites por meio dos diversos recursos que lhe estão disponíveis. Estes recursos aparecem por meio das experiências. Que melhor maneira de dominar, de subjugar, senão pelo conhecimento experimental, senão pela prática científica que constrói modelos do mundo? Esta mesma prática é a que fornece os recursos para o desenvolvimento da técnica. Assim o Homem é, também, o construtor, o criador de seu próprio mundo. Mais uma vez ele se coloca no centro gravitacional de uma nova postura em relação ao seu dever como criatura. E mais um novo mandamento surge para tomar o lugar das antigas Tábuas do Sinai: “Domina a natureza pela ciência e pela técnica, e as portas do Paraíso na Terra se abrirão para ti.”

Destes dois “Pais”, destes dois ramos do pensamento ocidental, surge o que chamamos de Homem Moderno. As suas marcas filosóficas e científicas, as suas qualidades primordiais enquanto ser que pensa, as características mais fundamentais do que conhece, do que faz e diz se mantém intactas nele desde então.

Francis Bacon e o Empirismo...

Francis Bacon (1561-1626) é o fundador de uma das mais influentes escolas filosóficas do período moderno, o Empirismo. Assim como Descartes, Bacon também se interessava pelas questões que envolviam uma profunda investigação sobre as capacidades humanas de conhecer. No entanto, para Bacon, esta atividade especialmente humana, que é a de se indagar sobre as fronteiras do conhecimento, tem um fim bastante preciso. Para ele necessitamos conhecer o que nos rodeia, a Natureza, para a dominar e retirar dela os seus frutos. Este filósofo parte do princípio de que o mundo é composto por partículas materiais que variam apenas na posição e no tamanho. Estas partículas, assim como acreditavam os filósofos atomistas, se unem na composição da matéria.

Ao contrário de Descartes, portanto, Bacon irá fundamentar o seu Método filosófico naquilo que ele considera a essência da Natureza, a phisis. Enquanto Descartes procurava esta essência no puro cálculo lógico-matemático, Bacon irá procurá-la exatamente nas possíveis ligações que ocorrem entre os corpos, na matéria, nos objetos, na phisis. De modo que, para este filósofo inglês, não existe outra possibilidade de conhecimento senão aquela baseada nas experiências que podemos realizar sobre a matéria. Assim, o nosso corpo, por meio dos sentidos, é a porta de entrada das diversas sensações; estas sensações se encarregam de trazer para a nossa mente as informações necessárias para o início do processo do conhecimento.

Para os empiristas nascemos sem conhecimento algum. Somos como folhas de papel onde ainda nada fora escrito. Na medida em que começamos a viver e a experimentar as diversas sensações que obtemos por meio dos nossos corpos, estas vão preenchendo os imensos espaços vazios de nosso espírito. Assim, nosso conhecimento existe na exata proporção das realizações e feitos de nossos corpos no dia-a-dia, ao observarmos as folhas que caem das árvores no outono, ao sentirmos o frio da água no inverno, ao caminharmos sob o sol escaldante do verão, ao ouvirmos o barulho do vento nas copas das árvores, ao sentirmos a suave maciez do algodão, ao notarmos o cheiro agradável das rosas, ou quando nos deliciamos com o gosto da pêra e do vinho. São estas as formas realmente válidas de conhecer o mundo.

Mas não somos apenas como grandes latas que se enchem paulatinamente com percepções diversas. A razão irá trabalhar para reunir estas percepções, que são conjuntos ordenados de sensações, em tipos definidos de associações. Assim, a razão articula as percepções recebidas pelos sentidos, dando forma ao pensamento. Por exemplo, se pensarmos de olhos fechados na palavra “cachorro”, que tipo de imagem virá em nossa mente? Será que iremos visualizar mentalmente o símbolo gráfico “CACHORRO”? ou será que pensaremos no cachorro de nosso vizinho? ou no nosso próprio cachorro? Para os empiristas, o nosso conhecimento é fruto dessas experiências sensoriais que se associam por força da repetição.

O primeiro tipo de associação assinalada pelos empiristas ingleses é o da sucessão temporal. Assim associamos duas experiências, ou idéias, quando as percepções que temos delas ocorrem uma após a outra.

Exemplo: Evento A: Eu coloco a mão no fogo.
Evento B: Eu queimo a mão.

Crio, então, uma associação entre os eventos A e B e chego à seguinte antecipação intelectual: “Se eu colocar a mão no fogo, eu me queimo”. Esta associação por sucessão temporal cria a antecipação intelectual que possui o modelo geral: o Evento A causa o Evento B. Também posso chegar a conclusões do seguinte tipo: se existe o evento B, pode ser que antes tenha existido o evento A. Como podemos notar, neste caso há a necessidade de uma ordenação temporal entre os eventos A e B, que ocorrem como elos numa corrente.

Mas a razão também cria associações pela repetição da aparição de eventos semelhantes. Por exemplo, quando vejo dois homens andando a cavalo, ainda que seus movimentos não sejam idênticos entre si, eu percebo semelhanças e padrões que associo ao evento “Andar a cavalo”.

Exemplo: Evento A: Vejo um homem andando a cavalo.
Evento B: Vejo uma mulher andando a cavalo.

Ainda que eu não possa dizer que os eventos A e B sejam idênticos, eu crio uma associação inevitável entre eles, dadas as muitas semelhanças existentes. O meu entendimento irá trabalhar no sentido de articular um pensamento do tipo: “Para se andar a cavalo não importa muito qual seja o sexo da pessoa”, ou ainda, “ Se um homem pode andar a cavalo, então uma mulher também pode”.

Mas ainda há um terceiro tipo de associação que os eventos inspiram, é a associação por proximidade ou contigüidade física. Ou seja, se noto que um evento ocorre na proximidade ou contiguamente a um outro, eu gero uma ligação natural entre ambos. Este é o caso, por exemplo, do instrumento musical e aquele que o toca. Não há nenhuma semelhança entre ambos, suas existências também não se encadeiam no tempo necessariamente, mesmo assim eu crio um indissociável elo entre estas duas idéias, ou percepções, ou eventos, dada a proximidade física entre eles.

Exemplo: Evento A: Noto a existência de um instrumento musical.
Evento B: Noto que, nas vezes que este instrumento é manuseado por um determinado indivíduo, escuto uma bela música.

Mesmo que eu não reflita sobre estes dois eventos, a proximidade física entre ambos faz com que eu crie pensamentos diversos sobre a possibilidade de ouvir uma boa música ou sobre que tipo de som pode advir daquele instrumento etc. Provavelmente, a associação por repetição da proximidade me faça criar um pensamento do tipo: “Lá está o instrumento. Mas onde estará o músico?” ou este “Lá está fulano que toca determinado instrumento.”

Por estas três vias associativas os pensamentos ganham forma, mas estas associações ocorrem na medida em que posso experimentar as sensações. De modo que o conhecimento humano, para os empiristas, não é somente o uso exclusivo da Razão, assim como pretendia Descartes com o seu racionalismo. Para os empiristas, é necessário que as sensações ocorram e com elas se criem associações pelas vias do entendimento.

Descartes e suas certezas...

Após ter concluído que os sentidos - como a visão, a audição, o olfato, o paladar e o tato - poderiam nos enganar sobre um conhecimento de fato, Descartes parte para uma dúvida metódica a respeito de tudo. Por exemplo, muitas vezes sonhamos que estamos diante de seres fantásticos quando sabemos que estes seres habitam apenas a nossa fantasia; ou então bebemos e o mundo parece girar, quando, na verdade, trata-se de um efeito ilusório do álcool fazendo o cenário à nossa volta adquirir um movimento circular; ou deveras quando estamos resfriados e não podemos sentir precisamente os sabores dos alimentos ou os diversos odores das coisas; ou ainda quando se está com algum membro do corpo dormente e nele já não há sensibilidade; também pode ocorrer de ouvirmos uma voz que chama pelo nosso nome quando ninguém de fato o fez. São estes alguns exemplos simples sobre como podemos nos enganar com os sentidos.

Ele irá colocar à prova de seu raciocínio tudo o que aprendeu - e aquilo que se apresentar minimamente duvidoso sob o olhar rigoroso da Razão será descartado como mera opinião ou como ilusões dos sentidos. Somente o que resistir à sua cuidadosa investigação ganhará o status de conhecimento. O nosso filósofo acredita que, para realmente pôr tudo à prova, ele deve iniciar pelos fundamentos de qualquer conhecimento possível. Este fundamento ele considera ser o Sujeito. Para Descartes, uma de nossas primeiras certezas é acerca de nossa própria existência. Ainda que possamos duvidar de tudo à nossa volta, não podemos duvidar de que existimos. Porém seu rigor investigativo é tão grande que até a sua própria existência, enquanto sujeito que anda, come, respira, lê etc., será posta em dúvida.

Não vamos entrar nos detalhes da argumentação cartesiana que merece, por si só, um curso inteiramente dedicado a ela. Ficaremos apenas com os resultados dessa argumentação. Depois de muito meditar a respeito de sua própria existência, Descartes conclui que, enquanto “Sujeito que conhece”, ele deve, necessariamente, existir. Sua conclusão é apresentada na forma da expressão latina “Cogito, ergo sum” que, em português, significa “Penso, logo existo”. Basicamente ele apoia a prova, necessária e universal, de sua existência no fato de ser ele um sujeito que pensa. Porém, mais do que isso, sua existência está apoiada no fato de poder pensar sobre isto, ou seja, no fato de ele poder pensar sobre o próprio ato de pensar.

Existe uma diferença simples entre dois níveis de pensamento e que podemos entender facilmente: existe um primeiro nível em que pensamos normal-mente sobre algo. Este algo pode ser um objeto, uma idéia, uma pessoa, um acontecimento. Neste primeiro nível estamos tentando nos tornar conscientes sobre o mundo ao nosso redor. Mas existe, também, um segundo nível de pensa-mento, que ocorre quando pensamos sobre o pensamento que pensa. Este pensamento tem por finalidade nos tornar conscientes sobre nós mesmos. Ele tem por objeto a si mesmo e, neste sentido, é reflexivo. Isto é, ele quer enxergar a si mesmo, assim como nós tentamos nos enxergar quando nos colocamos na frente de um espelho. Contudo os pensamentos não possuem espelhos para poderem constatar as suas existências; tudo o que os pensamentos têm são outros pensa-mentos. Deste modo, eles se obrigam a encontrar um acordo mútuo que decorre da afirmação de suas próprias existências particulares. Este acordo mútuo sobre a existência de cada pensamento tomado individualmente como que fornece uma “prova” (ou o próprio acordo já é uma prova) sobre a existência do conjunto de todos os pensamentos, o Sujeito.

Está é a primeira certeza de Descartes. Ele pensa sobre a sua própria condição de um Ser Pensante. Assim ele obtém uma prova, que não é física, mas, exclusivamente, intelectual, de que existe, não como uma pessoa que anda, fala, come e lê, mas somente como um Ser que pensa. Como puro Sujeito do conhecimento. A partir desta primeira certeza, que é o alicerce do edifício de seu Racionalismo, ele irá obter uma série de outras certezas a respeito de sua existência física e da origem de toda existência, do Motor primeiro.

Quando Descartes postula a sua existência em termos de um Ser Pensante, ele, automaticamente, cria uma distinção radical entre dois tipos de substâncias. A primeira é aquela que fornece as condições para a existência do pensamento puro. Esta substância ele chama de espírito (ou alma) e se identifica com o próprio Sujeito do conhecimento, absolutamente desmaterializado. A segunda é aquela que fornece as condições de existência do Ser físico e corpóreo: estamos falando da própria matéria. Desta feita, Descartes separa o Sujeito em duas metades, duas substâncias que não se identificam, que não se confundem jamais, a de um Espírito (Mente) e de um corpo. Em latim esta separação se dá em res cogitans et res extensa.