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sábado, 26 de junho de 2010

O Espaço e o Tempo...

Vimos como o filósofo de Königsberg prepara o terreno para a sua teoria acerca do conhecimento. Ele inicia apontando para o problema do dogmatismo metafísico na filosofia, que só pôde perceber graças à ajuda do filósofo David Hume; em seguida, ele inverte o jogo filosófico dizendo que devemos buscar as condições puras de possibilidade para todo o conhecimento válido - e não tentar conhecer os objetos em si mesmos, já que isto seria assumir um certo tipo de dogmatismo. A última coisa que vimos é que foi no Sujeito do Conhecimento que Kant encontra estas tais condições puras, mais precisamente no Sujeito Transcendental, que, somado ao Sujeito empírico, propicia o fenômeno do conhecimento. Agora vamos ver como se dão as primeiras condições à priori, puras, para o conhecimento.

Kant divide o Sujeito Transcendental em três estruturas que se superpõem uma à outra, como se fossem as camadas de um bolo: a estrutura da sensibilidade, do entendimento e da razão pura. A estrutura da sensibilidade nos permite conhecer por meio das percepções sensíveis; a estrutura do entendimento nos permite conhecer por meio das categorias gerais (conceitos ou idéias), nas quais encaixamos o que apreendemos do mundo; a estrutura da razão pura comanda as duas primeiras estruturas, criando uma relação entre elas. Por enquanto, vamos estudar somente a primeira estrutura: a da Sensibilidade em geral (pura ou Transcendental).

Quando percebemos um objeto, como uma flor, um quadro, uma pessoa, um animal, um carro, o que cada um destes objetos tem em comum? Esta é a pergunta que Kant se propõe para descobrir o que é essencial a toda percepção e o que não é. Será essencial, portanto, aquilo que for necessário a qualquer percepção; e não será essencial aquilo que variar de objeto para objeto, aquilo que for particular. Concluímos com ele que cores, tamanhos, formas, lugares, cheiros, densidades, espessuras, peso, massa etc não são essenciais para uma percepção pura, pois estas qualidades variam de objeto para objeto: posso ver uma rosa branca da mesma maneira como posso perceber uma rosa vermelha. A rosa branca pode ter menos pétalas que a vermelha. Ou, ainda, a rosa vermelha pode estar ainda na forma de botão enquanto a branca já estiver murchando. A rosa branca pode estar num vaso e a vermelha na roseira. Apesar de todas estas diferenças particulares, o que é comum em todas estas situações? O que está na essência da percepção de qualquer rosa, ou de qualquer objeto, em qualquer estado?

A resposta é a seguinte: o que há de comum em qualquer situação de percepção, de qualquer objeto, em qualquer estado possível é, justamente, o fato de existir uma condição à priori da sensibilidade sem a qual não se poderia perceber os objetos sob suas formas particulares diversas: esta condição é o que chamamos de Espaço.

Só podemos perceber os objetos na medida em que eles se apresentam extensos, isto é, “ocupando um lugar no espaço”. No entanto, não podemos realizar experiências com o espaço em si mesmo. Só podemos realizar experiências com os corpos que se inserem na condição de serem espaciais, como as rosas, por exemplo. Não podemos ver o espaço, só podemos ver os objetos que nele se superpõem - e aquilo que chamamos de “espaço vazio” não representa nada no mundo. O espaço em si mesmo não é um objeto – não está no mundo – , é tão somente uma condição abstrata e, por isto, à priori da estrutura da sensibilidade que se encontra no Sujeito Transcendental.

Se perguntarmos então: “Onde está o espaço?” A resposta deve ser: “Em lugar algum”. Já que o espaço não é um objeto, mas somente uma condição em que o percebermos segundo suas formas particulares, então ele não pode ser encontrado no mundo. Por exemplo, para se afirmar que o espaço esteja em algum lugar fora de nós, seria necessário supor um outro “espaço” que o contivesse, mas aí ficaríamos mais uma vez com o problema de onde encaixar este novo “espaço”. Desse modo, o Espaço não está nem fora de nós nem nos objetos. Mas se perguntarmos “o espaço existe?”, a resposta de Kant será que o espaço não está em nenhum lugar, mas existe como uma condição da sensibilidade em geral. Ele é à priori, portanto é Universal e Necessário.

Mas ainda há mais um fator a ser considerado. Não percebemos os objetos somente por estes possuírem uma extensão. Se assim fosse, tudo se encontraria imóvel no mundo. Observaríamos os objetos congelados, como se fossem fotografias. No entanto os objetos possuem movimentos diversos: se deslocam de um lugar para o outro, se modificam de diversas maneiras. Portanto a sensibilidade deve ter mais uma condição à priori para a percepção deste movimento. Esta segunda condição é o Tempo e podemos dizer que sem ele não seríamos capazes de perceber qualquer movimento, pois o movimento nada mais é que uma sucessão de configurações espaciais no tempo.

Assim, um carro, que se move a 100 km/h, está se deslocando espacial e temporalmente e isto só pode ser percebido se conseguimos notar as sucessões temporais de antes e depois em relação ao espaço que ele ocupou, ao espaço que ele ocupa e ao espaço que ele ocupará. Em outras palavras, o tempo e o espaço se relacionam na forma do passado, do presente e do futuro. O tempo não está fora de nós, pois, se estivesse, também deveria ser um “objeto” e possuir uma modificação a partir de um outro “tempo”. Mas não é isso o que acontece, não vemos o tempo envelhecer nem mudar de lugar. Só percebemos a sua passagem por meio dos objetos que surgem, que mudam de lugar, que envelhecem ou que deixam de existir.

Desta maneira, tanto o Tempo como o Espaço se combinam para realizar a síntese da percepção sensível do mundo. O espaço e o tempo não fazem parte do mundo, mas existem tão somente como formas puras da percepção sensível do sujeito. Neste sentido, tanto o espaço como o tempo dependem da existência anterior do sujeito em geral (transcendental), mas existem de maneira à priori para o sujeito particular ou empírico. Para Kant, o erro do dogmatismo metafísico que o precedeu era justamente o de tentar atribuir estas qualidades aos objetos e não ao sujeito que os observava. Daí a inversão no jogo filosófico: do objeto para o sujeito. Esta atribuição das qualidades de tempo e espaço aos objetos levou os filósofos de antes de Kant ao erro de imaginar uma essência metafísica que sustentava as existências materiais destes objetos. Quando, na verdade, estes filósofos estavam confundindo as condições à priori da sensibilidade (o espaço e o tempo) com uma essência que não existe em nenhum mundo supra terreno.

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